domingo, 30 de junho de 2013

ACONTECIMENTO POLÍTICO: BRASIL MOSTRA SUA CARA...

A POLÍTICA SEM PARTIDO...                  

Vivendo e acompanhando atentamente as manifestações e protestos no país, vários momentos e fatos saltam aos olhos, nos comovendo, sensibilizando, nos inquietando e fazendo agir. Esta escrita nasce deste turbilhão de emoções, impressões e leituras que se depreenderam daí.
Ver a comunidade da Rocinha, no Rio de Janeiro, pacificamente, diga-se de passagem, ganhar as ruas, a palavra, a voz, e, no caminho, a adesão da Comunidade do Vidigal, fez o coração bater forte e também, trouxe questões. Já vimos estas e outras comunidades dispersas e isoladas pelo país, se constituírem num coletivo reivindicador?
Diversidade, diferenças, cabendo nas ruas, nas praças, nas portas dos Palácios de Governo, Assembléias Legislativas, Câmaras de Vereadores, Senado... 
Brasil de raça e cor, do futebol e do carnaval, verteu-se em Brasil que quer lei, igualdade social, respeito às diferenças, direitos, punições às violações de direitos. Quer e luta....Luta, manifesta ações, discute, lê e pensa, apresenta propostas aos governantes...
Sim, agora é o povo! É o povo brasileiro, fruto de anos de luta pela democracia, de sangue derramado nas ruas e nos laboratórios da ditadura, filhos dos filhos da geração AI5, silenciada, acuada, caçada e aterrorizada pelos horrores das torturas feitas aos seus antecedentes....
Em meio ao amor pelo futebol, o verde-amarelo dos estádios ganha as ruas nas caras pintadas dos jovens, seus familiares, seus professores, trabalhadores, operários, profissionais diversos, movimentos sociais, pessoas de diferentes cidades, periferias, aglomerados, morros, favelas, vilas, zonas-sul...Classes sociais diluíram ali, nas ruas e principais avenidas das megalópoles, das metrópoles, das pequenas cidades de múltiplos Estados da Federação.... Explosão de gritos, gestos, de escritas em faixas e cartazes que enchiam de imagens a rua povoada...A maioria das pessoas ao som das palavras de ordem: “Abaixo a corrupção”, “Da copa abro mão, quero saúde e educação”,  “Agora eu vou falar, a educação vale mais que o Neymar”..."Passe livre” e outras infinidades de denúncias e reivindicações, não recuaram frente ao aparato policial, por vezes, também violento, quanto pequenas parcelas da população que ganharam a rua...
Os manifestantes, eles mesmos, intervinham nas confusões, saques e depredações, esbravejando que o "Movimento é Pacífico"....Toda violência deve ser coibida! Toda depredação, vandalismo, radicalismo “louco” erradicada – consenso da multidão nas ruas....Puro exercício democrático, exemplo de povo que se fez libertado!

ACONTECIMENTO POLÍTICO: O DESPERTAR DO GIGANTE

Alain Badiou, filósofo francês, caro aos psicanalistas por sua constante interlocução com a psicanálise, nos trouxe um conceito que nos auxilia na leitura destes fatos inéditos: milhares de pessoas unidas sem partidos políticos, sem lideranças políticas destacadas, qual seja, o conceito de  ACONTECIMENTO POLÍTICO.

BADIOU[1] em uma de suas Conferências, discute o Acontecimento Político, dizendo que[2]
“quando há um verdadeiro acontecimento político há um fim do caráter indeterminado do poder do Estado. O povo se levanta e diz: “este é o poder do Estado frente a nós”. É como nós dizemos que é. Dito de outro modo, um movimento que fixa uma medida do poder do Estado. É algo que obriga o Estado a mostrar realmente qual é seu poder.E, por essa mesma razão, há algo da submissão que se detém. Porque, senão, seguimos submetido ao que está indeterminado”.
Badiou nos diz ainda que
 “podemos dizer que um acontecimento político é o que dá uma medida ao poder do Estado. É o que faz com que não possam seguir decidindo que temos que nos submetermos a um poder indeterminado, desconhecido. Exatamente que quando tem uma greve numa fábrica. Lhes dou um exemplo muito sensível. Aí se mede qual é a força real patronal, embora no funcionamento de todos os dias da fábrica, este poder exista constantemente. Porém, está indeterminado e não está medido. Só o elemento “greve” vai permitir uma medida real deste poder. Este é um ponto absolutamente essencial. Um acontecimento político é algo que permite a cada qual manter-se à distância do Estado, por que o acontecimento tem determinado, fixado o poder do Estado.(....). Eu diria, com gana, que esta distância é a política mesma. Nesta distância, podemos construir um tempo e lugares políticos.

Prossegue Badiou explicitando o que está em jogo nesta questão, em termos subjetivos e que nos interessa assinalar. Para ele, “nesta distância deixamos de ter medo”, pois a política é “amplamente o final do medo”. Porém, assevera, é o fim do medo por razões muito precisas, que justamente é que não temos medo de algo que é indeterminado. Podemos, segundo ele, ver que estamos submetidos a um poder do Estado muito grande, mas decidimos medi-lo e podemos, neste momento, ver as consequências disso.

Caminhando um pouco mais, nos brinda com um conceito de política da qual somos solidários: “Vamos chamar a política a uma ação que trabalha pela igualdade a partir de determinado valor fixo do poder do Estado, valor que fora fixado por um Acontecimento”.

Daí poder dizer: O Brasil está sob a égide do Acontecimento político, uma vez retirado o manto que escondia o poder do Estado, a corrupção, o que se gasta com a “copa do Mundo” em detrimento dos investimentos sociais tão esperados há décadas.O povo Brasileiro está tecendo a verdadeira política.

SONHO DE BADIOU, SONHO NOSSO - UMA POLÍTICA SEM PARTIDO                   

Nenhuma bandeira nos representa, só a bandeira do Brasil”...Grita a multidão em coro e em bom tom, frente às tentativas de alguns oportunistas tomarem para si e para seu partido político, o ACONTECIMENTO.
Sem chances!!! O povo não se sente representado sequer pelos partidos de esquerda com que sonhou em outras épocas sombrias e, muito menos, se sente representado pela OPOSIÇÃO que já serviu, em outros tempos, de esteio do povo e de suas contestações, protestos e reivindicações. Hoje, a oposição, mesmo insistente e persuasiva, não “pesca”a multidão, nem a seduz...Inútil querer para si ou “louros” deste movimento, posto que ACONTECIMENTO POLÍTICO.
O povo acontece e faz acontecimento...Realiza o sonho de muitos, o nosso. Faz política: engendra algo novo e inédito, onde havia submissão e violação de seus direitos.
Como protagonizou Badiou, a verdadeira política é a política sem partido, sem a representação de partidos. No nosso entendimento, a partir de Badiou, a política que nasce nas entranhas do tecido social, cresce, amadurece em silêncio e, num repente, desperta, fala, pronuncia, protesta, se organiza, mede o poder do Estado a que o povo está submetido, subverte a natureza desta submissão na justa distância criada entre ele -  o povo - e este poder louco do Estado. 
Poder que caminhava, até então, mesmo em democracia, à revelia das reivindicações, das necessidades, desejos e da consciência do povo...Um Estado que está aprendendo com o povo o que é a política verdadeira, o que é a verdadeira democracia.  
Vamos, certamente colher outros frutos... A redução das passagens, o ir e vir, a tentativa de romper o isolamento de quem tem na cidade seu lugar de trabalho somente e não de cultura, lazer, serviços e possibilidades. A Reforma política está por vir...Um plebiscito forçado pela voz do povo...A visibilidade do que se gasta com a Copa do Mundo e os lucros engolidos pela FIFA...A corrupção como crime hediondo..O que se pretende investir em educação, em saúde...
O Acontecimento Político é marcado também pelo ineditismo e pela surpresa... Diz a multidão: “Isso é só o começo”...Depende de nós...



[1] 1 . Conferencia del día 24 de abril del 2000.  http://www.grupoacontecimiento.com.ar/documentos/documentos.htm

[2] Tradução nossa do espanhol.               

segunda-feira, 10 de junho de 2013

Psicanálise e Vida Cotidiana

      O leitor familiarizado com o texto freudiano tomará o título deste blog como paráfrase do que Freud escreveu: "Psicopatologia da vida cotidiana". Mais que parafrasear Freud, sigo sua trilha: o interesse pela vida cotidiana e seus avatares, desejando "não suscitar convicção; mas estimular o pensamento e  derrubar preconceitos".
      A escuta atenta aos atos humanos mais "casuais" como o de balançar as pernas involuntariamente, mexer nos cabelos, levar a caneta à boca, ir justamente para o lado que vai o desconhecido na rua quando na verdade, queríamos ir em direção contrária; esquecer  nomes próprios e outros nomes com os quais temos intimidade, levou Freud a buscar o sentido inconsciente destes atos cotidianos, aparentemente sem sentido e sem importância.
      Ao mesmo tempo, foi um psicanalista atento aos movimentos da civilização, aos movimentos (des)civilizatórios, ou no dizer de Mezan (1985) um "pensador da cultura".
      Aqui, no caminho aberto por Freud, no qual Jacques Lacan se introduziu e deixou suas marcas, desbravando outros ainda lugares desconhecidos, vamos cunhar o nosso caminho.
      Eis que, no lugar da "psicopatologia", a psicanálise quer advir com a vida e na vida cotidiana...
      Uma psicanálise que se ocupa dos efeitos de acontecimentos que vêm de fora e, por vezes à revelia do sujeito ou do coletivo ocupando-se dos efeitos sobre eles.
        Fazer psicanálise do que, do país, da cidade, da rua, atravessa o sujeito ou o coletivo cotidianamente é o motor deste escrito na rede social.
       Um psicanalista tal como "um artista tem de ir aonde o povo está"... Atento ao movimento humano e (des) humano, ao que atormenta, transtorna, assalta, une, desintegra, organiza, divide, alegra, apazígua. Ao que cada um de nós, em particular e como parte de um coletivo, fazemos com que a vida dá ou tira; oferece ou priva, abre ou fecha.
      Ao amor e ao desamor, ao valor do Outro ou à sua anulação; ao ódio e às consequências sobre uma nação, ao povo de uma nação ou a cada um - cidadão ou não - sempre sujeito interessante para a psicanálise.
      Com a psicanálise, seu saber e seus interrogantes quero tornar estranho o que acaba sendo familiar, dada à sua proximidade cotidiana: a violência, os assaltos, as guerras, a morte, a anulação do Outro, a violação de direitos humanos, a desumanização do humano.
      Cada sujeito em particular que procura um psicanalista, o faz com e na esperança. O psicanalista condensa uma esperança que o sujeito tem de ser e viver melhor, de estar menos desconfortável no mundo e no campo do Outro, de contornar pontos de angústia, medos e pânicos, de se libertar até das grades imaginárias que lhes impede os movimentos.
      Expandindo os limites de sua prática, a psicanálise pode fazer sustentação da mesma esperança, transmitindo seu modo singular de "ler" e estar no mundo. No "para todos", a psicanálise introduz o Um... extraindo da experiência cotidiana, da escuta analítica, algo que possa contribuir para a construção do saber de muitos, e quiçá, com certo alento-véu frente ao real que nos toca a todos.
       Boas vindas e aguardem a próxima discussão: Um elefante numa loja de cristais...Até lá!