A
POLÍTICA SEM PARTIDO...
Vivendo
e acompanhando atentamente as manifestações e protestos no país, vários
momentos e fatos saltam aos olhos, nos comovendo, sensibilizando, nos
inquietando e fazendo agir. Esta escrita nasce deste turbilhão de emoções,
impressões e leituras que se depreenderam daí.
Ver
a comunidade da Rocinha, no Rio de Janeiro, pacificamente, diga-se de passagem,
ganhar as ruas, a palavra, a voz, e, no caminho, a adesão da Comunidade do
Vidigal, fez o coração bater forte e também, trouxe questões. Já vimos estas e
outras comunidades dispersas e isoladas pelo país, se constituírem num coletivo
reivindicador?
Diversidade,
diferenças, cabendo nas ruas, nas praças, nas portas dos Palácios de Governo,
Assembléias Legislativas, Câmaras de Vereadores, Senado...
Brasil de raça e cor, do futebol e do carnaval, verteu-se em Brasil que quer lei, igualdade social, respeito às diferenças, direitos, punições às violações de direitos. Quer e luta....Luta, manifesta ações, discute, lê e pensa, apresenta propostas aos governantes...
Brasil de raça e cor, do futebol e do carnaval, verteu-se em Brasil que quer lei, igualdade social, respeito às diferenças, direitos, punições às violações de direitos. Quer e luta....Luta, manifesta ações, discute, lê e pensa, apresenta propostas aos governantes...
Sim,
agora é o povo! É o povo brasileiro, fruto de anos de luta pela democracia, de
sangue derramado nas ruas e nos laboratórios da ditadura, filhos dos filhos da
geração AI5, silenciada, acuada, caçada e aterrorizada pelos horrores das
torturas feitas aos seus antecedentes....
Em
meio ao amor pelo futebol, o verde-amarelo dos estádios ganha as ruas nas
caras pintadas dos jovens, seus familiares, seus professores, trabalhadores,
operários, profissionais diversos, movimentos sociais, pessoas de diferentes
cidades, periferias, aglomerados, morros, favelas, vilas, zonas-sul...Classes sociais diluíram ali, nas ruas e principais avenidas das megalópoles, das
metrópoles, das pequenas cidades de múltiplos Estados da Federação.... Explosão
de gritos, gestos, de escritas em faixas e cartazes que enchiam de imagens a rua
povoada...A maioria das pessoas ao som das palavras de ordem: “Abaixo a
corrupção”, “Da copa abro mão, quero saúde e educação”, “Agora eu vou falar, a educação vale mais que
o Neymar”..."Passe livre” e outras infinidades de denúncias e reivindicações,
não recuaram frente ao aparato policial, por vezes, também violento, quanto
pequenas parcelas da população que ganharam a rua...
Os
manifestantes, eles mesmos, intervinham nas confusões, saques e depredações,
esbravejando que o "Movimento é Pacífico"....Toda violência deve ser coibida!
Toda depredação, vandalismo, radicalismo “louco” erradicada – consenso da
multidão nas ruas....Puro exercício democrático, exemplo de povo que se fez
libertado!
ACONTECIMENTO
POLÍTICO: O DESPERTAR DO GIGANTE
Alain Badiou, filósofo francês, caro aos psicanalistas por sua constante interlocução com a psicanálise, nos trouxe um conceito que nos auxilia na leitura destes fatos inéditos: milhares de pessoas unidas sem partidos políticos, sem lideranças políticas destacadas, qual seja, o conceito de ACONTECIMENTO POLÍTICO.
“quando
há um verdadeiro acontecimento político há um fim do caráter indeterminado do
poder do Estado. O povo se levanta e diz: “este é o poder do Estado frente a
nós”. É como nós dizemos que é. Dito de outro modo, um movimento que fixa uma
medida do poder do Estado. É algo que obriga o Estado a mostrar realmente qual
é seu poder.E, por essa mesma razão, há algo da submissão que se detém. Porque,
senão, seguimos submetido ao que está indeterminado”.
Badiou nos diz ainda que
“podemos
dizer que um acontecimento político é o que dá uma medida ao poder do Estado. É
o que faz com que não possam seguir decidindo que temos que nos submetermos a um
poder indeterminado, desconhecido. Exatamente que quando tem uma greve
numa fábrica. Lhes dou um exemplo muito sensível. Aí se mede qual é a força
real patronal, embora no funcionamento de todos os dias da fábrica, este poder
exista constantemente. Porém, está indeterminado e não está medido. Só o
elemento “greve” vai permitir uma medida real deste poder. Este é um ponto
absolutamente essencial. Um acontecimento político é algo que permite a cada
qual manter-se à distância do Estado, por que o acontecimento tem determinado,
fixado o poder do Estado.(....). Eu diria, com gana, que esta distância é a política
mesma. Nesta distância, podemos construir um tempo e lugares políticos.
Prossegue Badiou explicitando o que está em jogo nesta questão, em
termos subjetivos e que nos interessa assinalar. Para ele, “nesta distância deixamos de ter medo”, pois a
política é “amplamente o final do medo”. Porém, assevera, é o fim do medo por
razões muito precisas, que justamente é que não temos medo de algo que é
indeterminado. Podemos, segundo ele, ver que estamos submetidos a um poder do
Estado muito grande, mas decidimos medi-lo e podemos, neste momento, ver as consequências
disso.
Caminhando um pouco mais, nos brinda com um conceito de política da qual somos solidários: “Vamos chamar a política a uma ação que trabalha pela igualdade a partir de determinado valor fixo do poder do Estado, valor que fora fixado por um Acontecimento”.
Daí poder dizer: O Brasil está sob a égide do Acontecimento político, uma vez retirado o manto que escondia o poder do Estado, a corrupção, o que se gasta com a “copa do Mundo” em detrimento dos investimentos sociais tão esperados há décadas.O povo Brasileiro está tecendo a verdadeira política.
SONHO DE BADIOU, SONHO NOSSO - UMA POLÍTICA SEM PARTIDO
“Nenhuma bandeira nos representa,
só a bandeira do Brasil”...Grita a multidão em coro e em bom tom, frente às
tentativas de alguns oportunistas tomarem para si e para seu partido político,
o ACONTECIMENTO.
Sem chances!!! O povo não se sente representado sequer pelos partidos de
esquerda com que sonhou em outras épocas sombrias e, muito menos, se sente
representado pela OPOSIÇÃO que já serviu, em outros tempos, de esteio do povo e
de suas contestações, protestos e reivindicações. Hoje, a oposição, mesmo
insistente e persuasiva, não “pesca”a multidão, nem a seduz...Inútil querer
para si ou “louros” deste movimento, posto que ACONTECIMENTO POLÍTICO.
O povo acontece e faz acontecimento...Realiza o sonho de muitos, o
nosso. Faz política: engendra algo novo e inédito, onde havia
submissão e violação de seus direitos.
Como protagonizou Badiou, a verdadeira política é a política sem
partido, sem a representação de partidos. No nosso entendimento, a partir de
Badiou, a política que nasce nas entranhas do tecido social, cresce, amadurece
em silêncio e, num repente, desperta, fala, pronuncia, protesta, se organiza,
mede o poder do Estado a que o povo está submetido, subverte a natureza desta
submissão na justa distância criada entre ele - o povo - e este poder louco do Estado.
Poder que caminhava, até então, mesmo em democracia, à revelia das reivindicações, das necessidades, desejos e da consciência do povo...Um Estado que está aprendendo com o povo o que é a política verdadeira, o que é a verdadeira democracia.
Poder que caminhava, até então, mesmo em democracia, à revelia das reivindicações, das necessidades, desejos e da consciência do povo...Um Estado que está aprendendo com o povo o que é a política verdadeira, o que é a verdadeira democracia.
Vamos, certamente colher outros frutos... A redução das passagens, o ir
e vir, a tentativa de romper o isolamento de quem tem na cidade seu lugar de
trabalho somente e não de cultura, lazer, serviços e possibilidades. A Reforma
política está por vir...Um plebiscito forçado pela voz do povo...A visibilidade
do que se gasta com a Copa do Mundo e os lucros engolidos pela FIFA...A
corrupção como crime hediondo..O que se pretende investir em educação, em
saúde...
O Acontecimento Político é marcado também pelo ineditismo e pela
surpresa... Diz a multidão: “Isso é só o começo”...Depende de nós...
[1]
1 . Conferencia del día 24 de abril del 2000. http://www.grupoacontecimiento.com.ar/documentos/documentos.htm
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