ADOLESCENTES: O QUÊ NOS ENSINAM DA CLÍNICA: O
QUE FAZEM DO CORPO? SINTOMA?
Tânia Ferreira
Agradeço ao convite de Andréa
Guerra e Marina Otoni, à frente do Curso de Extensão - Adolescência e Psicanálise: o corpo, o sintoma e a
clínica.
Este
empreendimento é de extrema importância neste momento em que adolescentes
ocupam escolas, falam para a imprensa, posicionam-se frente ao golpe e à
situação do país. Se antes em “moratória social” dada a representação que os
adultos têm de adolescência, os adolescentes, eles mesmos, tomam a palavra,
furam o silêncio de um protagonismo circunscrito ao mundo de cada um e vão às
ruas. Dizem o que querem, seus medos e angústias, quais são suas ocupações e de
quê se ocupam.
É neste
contexto que nos ocupamos dos adolescentes...
Cabe
pois, uma primeira torção:
Da adolescência ao adolescente...
O que se passa com o adolescente? Já se tornou naturalizado entre nós as
chamadas “crises” na e da adolescência. Sabemos tudo sobre as “crises”, sobre
este tempo. Hoje nos pautamos pelo “modelo normativo das crises”. A crise da
adolescência foi normatizada, por isso mesmo esperada, sem muita surpresa,
indagação, perplexidade, tornada normal. Faz parte da fase, da idade.
Será que não corremos o risco de já não nos
perguntarmos mais sobre este ou aquele adolescente? Muitas vezes encontramos
respostas para suas ações e para seus gestos, na adolescência mesma. Fazemos
uma apologia das crises da adolescência, mas nos esquecemos de encontrar o
sujeito aí, sofrendo em silêncio e, às vezes, “absolutamente só”, esperando a
adolescência passar e com ela, o mal-estar (que, se persistir leva a crer numa
“fixação” naquela fase do desenvolvimento).
A ideia de que “o mal é da idade que da tal menina – não há um só remédio em toda
medicina” tem sido uma bússula a nos conduzir na errância do trabalho com o
adolescente, principalmente no campo “psi”. Vamos dizer que “o mal é da menina
que da tal idade” e que há remédio sim, para além da espera impotente de ver
passar essa fase.
A idéia de que determinadas manifestações
sintomáticas são típicas, próprias de tal idade, leva-nos a considerá-las
normais. É muito comum também um discurso queixoso sobre o adolescente, como se
as dificuldades fossem de quem convive com eles: chamam-no de “aborrecente”.
Muitas vezes, até admite-se é que uma fase difícil, sofrida, mas que passa com
o tempo, pois é um sofrimento normal, que está na norma. Já não nos caberia
substituir a pergunta: “isso é normal nesta fase do desenvolvimento?” para:
Isso causa sofrimento para o sujeito?
Bem então vamos tentar nos colocar
questões sobre quem são os adolescentes nos dias de hoje. Quais os aspectos psicossociais a que estão
submetidos?
Aquele mal que não é da idade, que
não está de acordo com o desenvolvimento traçado socialmente, é do sujeito e
muitas vezes, é tido como um transtorno.
A palavra transtorno na nossa língua quer dizer: “situação que causa incômodo a
outrem, situação imprevista e desfavorável, decepção, contrariedade”. [1]
São várias as novas nomeações do sofrimento
psíquico do adolescente hoje. Déficits de toda ordem: de conduta, de oposição,
de atenção, de memória... Pergunto-me se
as novas nomeações do sofrimento do sujeito instituem os nomes da fantasia,
passando a estar no lugar da verdade do sujeito. O que acontece é que no lugar
do sintoma – texto do sujeito, aquilo que o singulariza, vem o nome do
mal-estar: transtorno, déficit, síndrome.
Essas nomeações podem, até
decidir a estruturação do sujeito ao tornarem-se a marca de seu sê-lo, o traço
através do qual ele é reconhecido pelos pais, educadores e pelos agentes de seu
tratamento.
A psicanálise, na contra mão
destas nomeações, tomando o sintoma não como sinal de uma doença, mas como o
texto do sujeito, o modo como se arranja com o Real da puberdade, com impacto
social, com o encontro com o Outro sexo,
quer encontrar o sujeito.
Muitas vezes, o sujeito não
habita o corpo puberal e portanto, à despeito da idade, não constrói a
adolescência como remédio para isso que, por vezes, não o atinge. Escuto isso
de psicanalistas e terapeutas: “O adolescente não aderiu ao grupo”...Ora, como
aderir a um grupo de adolescentes se a adolescência não existe para ele?
Assim, a adolescência é uma
construção da qual o sujeito pode ou não fazer uso dela... O fato de estar na
puberdade, não quer dizer que a adolescência se faça necessária para ele...O
tempo do despertar, por vezes, está
longe de coincidir com a idade....O contrário também é verdadeiro: há sujeito
que pode fazer identificações com adolescentes, sem sequer ter vivido qualquer
impacto puberal, desabitado de seu corpo infantil...
Assim, a adolescência, o
adolescente, nos ensinam sobre o tempo e o sujeito na clínica.
Freud nos indica que a tarefa mais difícil e árdua para o adolescente é
a de ultrapassar a autoridade dos pais. Podemos nos perguntar: No momento em
que em muitas situações os pais não têm se constituído em figuras de
autoridade, que ultrapassagem possível? Que respostas os adolescentes têm
inventado na ausência ou ineficácia desta autoridade? Novos sintomas? Novas
práticas de rupturas do laço social?
Vou tomar o texto de Freud para falar
um pouco da experiência do adolescer. Trata-se do seu texto “O mal-estar na
civilização”. Ali Freud define o que chama as TRÊS FONTES de sofrimento humano:
o que é do corpo, as relações com o
outro, o mundo externo. Achei interesse pensar nestas três fontes, pois as
considero que elas têm importância capital na vida de um adolescente, que está
sempre numa encruzilhada entre o impacto puberal e o impacto social que vai
desde o franqueamento do encontro com o outro sexo - proibido na infância, até
a escolha profissional e construção da autonomia.
Vou começar pelo mundo externo hoje:
Globalizado, individualista,
sustentado pelo narcisismo, hedonismo, consumismo... È marcado pela derrubada
dos valores de humanidade, solidariedade... “você não vale nada, mas eu gosto
de você”, também pela perda do limiar entre o público e o privado ou mundo
do Big Brother, das redes, dos sefs. Na Tv, no elevador, nas dependências das
residências, nos i fones. No dizer de Anna Harendt é que quanto mais a
sociedade rejeita a distinção entre o que é público e o que é particular, entre
o que pode vicejar de modo encoberto e o que pode ser exibido a todos em plena
luz do mundo público, quanto mais o privado é transformado em público e
vice-versa, mais difíceis se tornam as coisas para as crianças e adolescentes
que pedem a segurança do ocultamento para se desenvolverem.
O adolescente faz resistência a isso
que da cultura põe a nu seu estranhamento com o mundo – o seu e do outro –
ensinando-o que não é um livro aberto. Mesmo os blogueiros, tuiteiros, nos
faces, que deixam ler sua intimidade, o fazem com uma escrita própria,
enigmática. Diz a adolescente: é só minimizar, só minimizar”. Assim, minimizam
a exposição de tudo que é mostrado e que neste tempo não se quer ver.
Perguntam pais e educadores: Como educar na esperança, num mundo de desencanto?
De tantos perigos? Ameaças? Iminências de perdas reais? Sem respostas, pais e
educadores, muitas vezes, educam pela angústia e não pela esperança. Educar
pela angústia é um dos modos de laço entre adultos e adolescentes a que eles
também respondem angustiando. No lugar do limite, a angústia. No lugar da lei,
as leis, as normas, as regras, as proibições. Esquecemo-nos de que dizer sim
também é por limite. Dizer sim, “pode”, é delimitar o que não pode.
Quanto à adolescência, alguns autores
dizem que ela nasce da ausência dos rituais de passagem, dito de outro modo, na
ausência de recursos vindos do social para fazer margem ao fosso a atravessar
entre a infância e a adolescência, é que o sujeito adolesce ( ou não).
A palavra adolescére vem do latim e
quer dizer o mesmo que adoecer, enfermar. Se o mundo externo é tão ameaçador,
pois o sujeito sai do mundo restrito da família e cai na rua, na cidade, na
noite, as vezes ele se esconde na bolha do grupo, do bando, da tribo, da gangue, do time, do grêmio, do rock ... ou da
banda. `Torna-se necessário então que
se interrogue em cada caso, como se dá a entrada do sujeito no mundo...Se para
fazer margem ao fosso, o sujeito faz a loucura ou o enlouquecimento, ou a
infração, ou a toxicomania, ou sintomas somáticos. OU música, política,
dança....
A
Segunda fonte: O corpo.
Freud acentua que só a presença do
corpo é em si problemática para o sujeito. Primeiro porque sua imagem para ser
subjetivada, a cada vez de novo, impõe um trabalho psíquico. Para transpor o
buraco vazio entre o corpo e a imagem, o sujeito há que trabalhar
subjetivamente.
Há sempre uma sensação de
estranhamento do sujeito com o corpo. Daí, o sujeito sofrer do corpo, sofrer
com o corpo, sofrer por não poder “ter” um corpo. Como é o caso das crianças
autistas e muitas psicóticas. O adolescente se vê: braços compridos, coluna
curvada, pele espinhenta, menstruação, pêlos, ejaculação, mudança de voz,
explosão de sexualidade, corpo estranho. Como suportar esse corpo que muda ,
incontrolável?
Minha hipótese é de que, se o sujeito
não habita o corpo puberal e não usa a adolescência como um véu, ele pode fazer
do corpo sintoma, segundo a estrutura.Mas aprendemos com Freud e Lacan que o
insuportável da puberdade não é tanto as mudanças corporais, mas o não-saber
sobre o corpo. Esse novo,
mais do que o órgão, é a aparição, de novo, para o sujeito “de sua falha de
saber no real”.
O encontro com o outro sexo, marcado
pelos desencontros, pelo inexprimível, pela ausência de palavras para dizer,
como cada sujeito a partir de sua estrutura lida com esse encontro
desencontrado? Ë desencontrado, sobretudo, diz Freud, porque o menino entra na
puberdade e deseja experimentar o encontro sexual, a menina deseja um encontro
amoroso. “Tudo que você quer me dar é demais, é pesado, não há paz. O que quer
de mim, ideais, expectativas desleais”. Cantam os jovens.
No social, o apelo: ou a saída pelo amor
incondicional, na qual o Outro faz a função de barra onde o sujeito não encontra
suporte de limite, ou a saída pela idealização amorosa:
“Mesmo que não venha mais ninguém, ficamos
só eu e você, fazemos a festa, somos do mundo. Sempre fomos bons de conversar, eu
só espero que não venha mais ninguém . Aí eu tenho você só pra mim, roubo o teu
sono, quero o teu tudo, se mais alguém vier não vou notar. Preciso de você pra
me fazer feliz”.
Os usos e abusos de toda ordem onde o
sujeito é objetalizado e se deixa apreender como objeto do Outro, do gozo do
Outro: Os meninos e adolescentes avinhõezinhos, ou os que furtam para o líder
do bando, os adolescentes de gangues, as drogas que chapam o sujeito, sua
subjetividade.
Enfim, o corpo é o tabuleiro do jogo.
Muitas vezes o corpo, para além das brincadeiras estéticas, é bordado de letras
e figuras que fazem às vezes de um véu encobridor quando não há. Outras, é
totalmente escrito, desenhado, contornado, para não ser lido... ainda pode ser perfurado
com pircings espalhados por todo o corpo, para deslocar os vazios, os buracos
do corpo, muitas vezes sem borda. Assim, vale indagar como o sujeito, a partir
de sua estrutura psíquica lê e responde pelos eventos no e do corpo.
Dos adolescentes que se acidentam, se
machucam incessantemente, as moças que
não se deixam nutrir ou das adolescentes dietantes, anoréxicas, bulímicas; Dos
adolescentes psicóticos ou autistas - máquinas de movimento - os adolescentes
esquizofrênicos estrangeiros do (im)próprio corpo, podemos extrair a máxima da
estranheza do sujeito com o corpo, da impossibilidade inquietante de habitar um
corpo, sobretudo no mundo light, dos anabolizantes, das intervenções
medicamentosas e cirúrgicas, mas principalmente, um mundo virtual com escassos
recursos simbólicos.
A Terceira e última fonte : As relações com o
Outro
A neurose, a psicose e a perversão nos
ensinam modos particulares de lidar com a entrada do Outro. Sabemos com a
clínica que cada sujeito inventa uma solução particular para ser no mundo, no
mundo do Outro. Vale lembrar que está em jogo a incidência do desejo ou do não
desejo do Outro na subjetividade do sujeito e isso pode manifestar-se de
diferentes maneiras: passagens ao ato suicidas, doenças orgânicas, anorexias,
várias outras manifestações sintomáticas e até as construções delirantes.
As crianças autistas se sentem perseguidas
pelo sinal da presença do outro, sobretudo pelos objetos voz e olhar, tendo a
presença do Outro como invasiva. As vezes há a rejeição ao chamado do
Outro. O sujeito neurótico joga com a
alienação e vive toda sorte de embaraço para realizar a separação, pagando por
isso ou pela não realização, o preço da inibição, do sintoma, da angústia. Na
perversão o Outro vem com feições sempre de objeto do qual o sujeito há de
gozar.
O psicótico nos dá mostra do horror da
entrada do Outro sem mediação da lei do desejo. Não é isso que o sujeito põe em
ato nas alucinações, nas construções delirantes?
De outro lado, o social dita de certo
modo, um jeito de lidar com o outro que enlaça o sujeito: “Você não vale nada,
mas eu gosto de você” “Vem aqui que agora estou mandando, vem meu cachorrinho
sua dona está chamando”.
Poderíamos ficar aqui falando da contundência com a qual
o sujeito responde subjetivamente pela palavra do Outro, pela incidência de seu
desejo, pelo ponto opaco do saber do Outro, pelo que o outro por estrutura não
tem para dar...
Para finalizar, trago um dizer de
Freud sobre a educação de jovens que nos permite extrair conseqüências também
para a clínica :
“O
fato de ocultar dos jovens o papel que a sexualidade desempenhará em suas vidas
não é o único defeito imputável ä educação de hoje. Pois ela também peca ao não
prepará-los para a agressividade da qual estão destinados a serem objetos.
Deixando que a juventude vá ao encontro da vida com uma orientação psicológica
tão falsa, a educação não se comporta de modo diferente ao do caso de se
cogitar em equipar pessoas para uma expedição polar com trajes de verão e mapas
de lagos italianos. Torna-se evidente, nesse fato, que está fazendo mal uso das
exigências éticas” ( Freud,!939 1974, p. 158,nota 1).
Talvez possamos nos perguntar também,
se com o tratamento que propomos frente à oferta das novas nomeações, se também
fazemos mal uso das exigências éticas, permitindo que o sujeito saia dos
Serviços de Atenção, instituições diversas,
equipados com trajes de verão e mapas de Lagos Italianos para uma
expedição polar, despreparados para a agressividade da qual estão destinados a
serem objetos. Pois um tratamento ao adolescente, leva em consideração todas as
dimensões do viver: ir e vir, estudar, brincar, ter acesso aos bens da cultura,
mas sobretudo, suas saídas inventivas frente ao Outro e o que do real da
estrutura se impõe ao sujeito.
O tratamento visa destituir os nomes da fantasia que vieram
no lugar do nome próprio, para que o sujeito construa, ele mesmo, o próprio
nome. É a partir daí que algo do sujeito vem para ser nomeado.
Nenhum comentário:
Postar um comentário