INFÂNCIAS E ADOLESCÊNCIAS NA LÓGICA
DO PHATOS: DESVARIOS E RISCOS
Tânia Ferreira
- Agradeço o convite de Arthur da Saúde Mental e de
vocês, para esta Roda de Conversa. Recebi
com muita alegria, pois reitero minha aposta nos Fóruns como lugar privilegiado
de operar certa torção na lógica do “para todos”, pois pode se deter no caso a
caso, contribuir para delinear senão políticas, direções para os Serviços e
equipes qto ao projeto terapêutico do caso, mas também organizar as ações sem
sobreposições desnecessárias, mantendo a lógica do território.
- Fui, pois convidada a trazer
algumas contribuições para esta Roda de conversa sobre a patologização da
infância e da adolescência. Coloco no plural, pois existem várias infâncias
adolescências no Brasil, nesta Regional.
- Qdo fui pensar no que trazer para
animar o debate, pensei em abordar o tema como ecoou em mim: A patologização no sentido do que Viganó
chamou “imperante nominalismo” – ou seja as nominações classificatórias das
condutas, ações, e o que é pior, das manifestações subjetivas de crianças e
adolescentes. O nome já diz: patologiza as ações....e a patologização no
sentido do que podemos compreender como o que adoece crianças e adolescentes
hoje. Ou seja: abordando pelos dois viezes: o nosso, de todos os agentes de
cuidado e o das crianças e adolescentes que chegam aos agentes de cuidado.
- Antes de tratar a
questão da patologização, trago um dizer de
Freud em uma de suas cartas a Fliess, : “Sempre se é filho da época em
que se vive mesmo naquilo que se considera ter de mais próprio” (Masson, J.,
1986, p. 278). Perguntamo-nos: quais e como são as infâncias, “filhas” de nossa
época? E as crianças? De que sofrem? E
os adolescentes? Quem são? Quais são suas perguntas, seus sintomas, suas
perspectivas? E o que têm de mais próprio? Em que nos interrogam?
ARROYO (2008, p. 119-120) nos diz
que “a infância interroga a pedagogia”. Para ele, as ciências do humano também
são interrogadas pelo protagonismo social da infância. Ele nos diz ainda que a
pedagogia se repensará na medida em que estiver atenta “a como a infância
experimenta seu viver”. Para ele, “são
tempos em que as experiências da infância (ou diríamos - das infâncias) são tão
tensas e precarizadas que as verdades da pedagogia sobre si própria e sobre a
infância, entram em choque”.
Estas considerações de Miguel
Arroyo podem ser estendidas à saúde mental e aos diferentes dispositivos de
atenção. Eles são interrogados pelas infâncias e pelas adolescências. AS
infâncias e as adolescências, nas suas tensões, precariedades, mas também vigor
e singularidade, fazem vacilar, muitas vezes, o saber constituído. Não é justamente qdo interrogam
que surge o império do nominalismo? Não é aí que se inicia o largo uso dos
manuais classificatórios que homogeinizam nossos discursos?
- A nomeação de uma manifestação da criança ou do adolescente seja
através de um diagnóstico ou através do que se diz dela, sobre ela, a ela, pode
ser tão pregnante que funciona como um substituto do nome-próprio e passa a
justificar tudo: seus atos, gestos, comportamentos, sem que a ela nada possa
ser atribuído, consistindo seu ser de objeto. Isso funciona como uma verdadeira
maldição. Por isso é preciso suspender as evidências, sustentar questões junto
aos pais e educadores.
- Desse modo, precisamos nos
perguntar: Quem patologiza as crianças e adolescentes, por vezes gravemente
perturbadas? Aquelas que se manifestam pelo silêncio, pela loucura, pelo
enlouquecimento, pela estranheza? Aquelas e aqueles que nos mostram as
variedades de constituição subjetivas?
- Pois bem: Para quê
patologizamos? Uma das respostas é para a homogeinização dos discursos, para
retomarmos o rumo e o saber estabelecido, de impotente para classificatório.
Ás vezes patologizamos
a invenção da criança, do adolescente
seu modo particular de se haver com o real.
Exemplo disso é tomar como questão clínica uma dificuldade de
aprendizagem. Muitos fazem da dificuldade um “problema” e então há logo uma
medicalização. Qual de nós nunca teve dificuldade de aprender? Há entre a
dificuldade e o sintoma da criança uma enorme distância. Outro exemplo é do
fato que se tornou recorrente é ver
crianças muito angustiadas que, atuando a angústia se inquietam se agitam, se
hiperativam. No lugar de interrogar e tratar a angústia que provocou este
estado de coisas, trata-se a “hiperatividade” e como algo que não concerne ao
sujeito, que está à revelia dele.
Medicalizar uma
dificuldade é colocá-la no registro de uma patologia, decretando a maldição que
recai sobre a criança e o adolescente,
Uma das conseqüências desta
medicalização, do que chamarei aqui “discurso ou ato medicalizador” é que os
pais ou educadores sejam levados a se confrontarem com uma insuficiência de
saber sobre aquilo que é manifestação da criança, do adolescente transferindo
ao saber especializado a pergunta para a qual não conseguiram construir uma
resposta. Uma vez possuidores do nome do
déficit ou do transtorno, ou do problema, eles se tornam meros agentes do saber
científico, na perspectiva de cuidá-la e de protegê-la.
- Não é a toa que o número de
crianças e adolescentes hiperativos, com déficits de atenção e memória
triplicou. Não é a toa tb que o número de autistas hoje é aterrador. Dito isso, fica a pergunta: como cada um de
nós contribui para a “patologização” da criança e do adolescente? Como cada um
ou cada serviço vai fazer para tentar reverter isso?
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