domingo, 20 de novembro de 2016

DE QUE ADOECEM CRIANÇAS E ADOLESCENTES?

DO LADO DAS CRIANÇAS E DOS ADOLESCENTES... o que as patologiza?


De que adoecem crianças e adolescentes? Como uma criança ou um adolescente pode ser atravessado pelas infâncias e adolescências produzidas pela sociedade contemporânea?
Diz a mensagem de watzapp: “Bom dia, sou mãe de um menino de 1 ano e 5 m. Quero saber se a senhora pode atendê-lo e quanto cobra. Ele tem tido crises de nervosismo, se auto agredindo, batendo em seu rosto, puxando seus cabelos, se arranhando até sangrar. Mas é bonzinho, quase nunca chora ou grita”.
Como esta mãe, muitas outras desesperadas, “sem saber o que fazer”, buscam tratamento para seus filhos.
Deparamo-nos ainda, no cotidiano da clínica, com a criança e a loucura. Seja a loucura de seu entorno e daqueles com os quais convive, seja a sua própria loucura.  Solidária à definição de LOBOSQUE ( 2013,p. 71) “o que chamamos de loucura será talvez o aflorar de uma singularidade irredutível, para a qual não se consegue inscrição. É excesso sem limite, vazio sem contorno, repetição sem fim” - acolhemos na escuta.
Hannah Arendt (2000, p. 238) discute a responsabilidade daqueles que devem introduzir o  “recém-chegado e forasteiro, nascido em um mundo já existente e que não conhece”.  Afirma que a escola é a instituição que interpomos “entre o domínio privado do lar e o mundo, com o fito de fazer com que seja possível a transição, de alguma forma, da família para o mundo”. 
Contudo, podemos interpelar, para além da escola, as mais diferentes formas que nossas crianças têm encontrado para “chegar ao mundo” e os efeitos disso sobre elas.
Estamos às voltas com crianças que chegam à clínica cada vez mais precocemente muitas vezes antes ou em seu primeiro ano de vida, com intenso sofrimento psíquico.
Em muitas  infâncias, as crianças são expostas às tragédias, violências e contradições. Milhares de crianças têm seus direitos violados.
As informações chegam pela hipermídia para muitas crianças, feito enxurrada. Muitas crianças de 4, 6 anos, têm seus tabletes; muitas crianças de diferentes idades têm celular, acesso direto a internet, algumas têm muitos grupos de wattzapp, chats, enfim, estão “plugadas”. Muitas entram no mundo real, pelo virtual. Outras vivem só, no virtual. Num mundo “fake”, umas e outras vão abrindo trilhas....Já podemos recolher alguns efeitos disso sobre as crianças. Outros, só depois.
Muitas que vivem assim, ligadas, são educadas pela angústia e para a angústia. O que deveria advir como mistério e enigma, as tragédias, atos violentos, erotização precoce, chegam rapidamente para elas.
As informações e conhecimentos dos mistérios da vida dos adultos a que muitas crianças têm acesso, contribuem de alguma forma para o “encurtamento” da infância, quiçá seu desaparecimento? O que se passa com uma criança sem infância?
Podemos dizer que um dos efeitos disso é a transformação de algumas crianças no que vou chamar de “seres em suspensão” que tentam se equilibrar na borda do mundo infantil e do mundo adulto, sem pertencer a nenhum deles.
Outro movimento importante que vemos acontecer é o da institucionalização das crianças de todas as classes sociais. As escolas de educação infantil se multiplicam e recebem bebês e crianças de 06 meses a 06 anos, para uma permanência de quase dez horas diárias. Isso também se estende a crianças de todas as idades no ensino fundamental, ora com a escola pública ampliada, ora com as escolas integrais particulares. Sem contar as que estudam só um turno na escola regular, mas no outro turno, estão no que chamarei aqui, de escola paralela. Escola para dar conta de acompanhar os conteúdos da escola regular... Não são mais aulas particulares, mas “salinhas” de todas as matérias em cursos indicados pela própria escola onde a criança estuda. Tudo isso com o assentimento de seus cuidadores.
A terceirização dos cuidados é também corriqueira na vida de crianças que estão fora da escola um turno, também de diferentes classes sociais. Em classes mais abastadas, os cuidados ficam a cargo de um profissional do ramo, por vezes tratado como parte da família, outras vezes, orientado a não criar uma relação e afeto com a criança para a criança “não sofrer quando perder”, pois a impermanência destes adultos está muito presente nos discursos das crianças em tratamento.
Sabemos dos efeitos desta institucionalização precoce e contínua. Lacan[1] já nos advertia dos efeitos sobre uma criança, da falta de um “interesse particularizado”. 
Poderíamos seguir inventariando múltiplas questões que nos indicam quem são, como vivem, de que padecem, o que dizem as crianças de nossos dias. Estas Notas evocam muitas e muitas outras situações e experiências a que o leitor poderá aventar. Importa que estejamos atentos ao ineditismo de cada criança que se apresente a nós, seja na escola, nas instituições, nos espaços públicos das cidades, na clínica.
Podemos seguir abrindo estas questões com o dizer de Freud, insistindo neste dizer... Nos últimos anos de suas elaborações, em meio ao mal-estar da civilização, Freud faz uma crítica à educação que podemos tanto situar na escola, quanto na família:

O fato de ocultar dos jovens o papel que a sexualidade desempenhará em suas vidas não é o único defeito imputável à educação de hoje. Pois ela também peca ao não prepará-los para a agressividade da qual estão destinados a serem objetos. Deixando que a juventude vá ao encontro da vida com uma orientação psicológica tão falsa, a educação não se comporta de modo diferente ao do caso de se cogitar em equipar pessoas para uma expedição polar com trajes de verão e mapas de lagos italianos. Torna-se evidente, nesse fato, que está fazendo mal uso das exigências éticas ( Freud, 1974,  p. 158, nota 1).
              
                                                                                                                
BH JULHO 2016





[1] Refiro-me a “Nota sobre a Criança” IN: OUTROS ESCRITOS.

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