DO LADO DAS CRIANÇAS E DOS
ADOLESCENTES... o que as patologiza?
De que adoecem crianças e
adolescentes? Como uma
criança ou um adolescente pode ser atravessado pelas infâncias e adolescências
produzidas pela sociedade contemporânea?
Diz a mensagem de watzapp: “Bom
dia, sou mãe de um menino de 1 ano e 5 m. Quero saber se a senhora pode
atendê-lo e quanto cobra. Ele tem tido crises de nervosismo, se auto agredindo,
batendo em seu rosto, puxando seus cabelos, se arranhando até sangrar. Mas é
bonzinho, quase nunca chora ou grita”.
Como esta mãe, muitas outras
desesperadas, “sem saber o que fazer”, buscam tratamento para seus filhos.
Deparamo-nos ainda, no cotidiano
da clínica, com a criança e a loucura. Seja
a loucura de seu entorno e daqueles com os quais convive, seja a sua própria
loucura. Solidária à definição de
LOBOSQUE ( 2013,p. 71) “o que chamamos de loucura será talvez o aflorar de uma
singularidade irredutível, para a qual não se consegue inscrição. É excesso sem
limite, vazio sem contorno, repetição sem fim” - acolhemos na escuta.
Hannah Arendt (2000, p. 238) discute a
responsabilidade daqueles que devem introduzir o “recém-chegado e forasteiro, nascido em um
mundo já existente e que não conhece”.
Afirma que a escola é a instituição que interpomos “entre o domínio
privado do lar e o mundo, com o fito de fazer com que seja possível a
transição, de alguma forma, da família para o mundo”.
Contudo, podemos interpelar, para além da escola,
as mais diferentes formas que nossas crianças têm encontrado para “chegar ao
mundo” e os efeitos disso sobre elas.
Estamos às voltas com
crianças que chegam à clínica cada vez mais precocemente muitas vezes antes ou
em seu primeiro ano de vida, com intenso sofrimento psíquico.
Em muitas
infâncias, as crianças são expostas às tragédias, violências e
contradições. Milhares de crianças têm seus direitos violados.
As informações chegam pela hipermídia para muitas
crianças, feito enxurrada. Muitas crianças de 4, 6 anos, têm seus tabletes;
muitas crianças de diferentes idades têm celular, acesso direto a internet,
algumas têm muitos grupos de wattzapp, chats, enfim, estão “plugadas”. Muitas
entram no mundo real, pelo virtual. Outras vivem só, no virtual. Num mundo
“fake”, umas e outras vão abrindo trilhas....Já podemos recolher alguns efeitos
disso sobre as crianças. Outros, só depois.
Muitas que vivem assim, ligadas, são educadas
pela angústia e para a angústia. O que deveria advir como mistério e enigma, as
tragédias, atos violentos, erotização precoce, chegam rapidamente para elas.
As informações e conhecimentos dos mistérios da
vida dos adultos a que muitas crianças têm acesso, contribuem de alguma forma
para o “encurtamento” da infância, quiçá seu desaparecimento? O que se passa
com uma criança sem infância?
Podemos dizer que um dos efeitos disso é a
transformação de algumas crianças no que vou chamar de “seres em suspensão” que
tentam se equilibrar na borda do mundo infantil e do mundo adulto, sem pertencer
a nenhum deles.
Outro movimento importante que
vemos acontecer é o da institucionalização
das crianças de todas as classes sociais. As escolas de educação infantil se
multiplicam e recebem bebês e crianças de 06 meses a 06 anos, para uma permanência
de quase dez horas diárias. Isso também se estende a crianças de todas as
idades no ensino fundamental, ora com
a escola pública ampliada, ora com as escolas integrais particulares. Sem
contar as que estudam só um turno na escola regular, mas no outro turno, estão
no que chamarei aqui, de escola paralela.
Escola para dar conta de acompanhar os conteúdos da escola regular... Não
são mais aulas particulares, mas “salinhas” de todas as matérias em cursos
indicados pela própria escola onde a criança estuda. Tudo isso com o
assentimento de seus cuidadores.
A terceirização dos cuidados é também corriqueira na vida de crianças
que estão fora da escola um turno, também de diferentes classes sociais. Em
classes mais abastadas, os cuidados ficam a cargo de um profissional do ramo,
por vezes tratado como parte da família, outras vezes, orientado a não criar
uma relação e afeto com a criança para a criança “não sofrer quando perder”,
pois a impermanência destes adultos
está muito presente nos discursos das crianças em tratamento.
Sabemos dos efeitos desta
institucionalização precoce e contínua. Lacan[1] já nos
advertia dos efeitos sobre uma criança, da falta de um “interesse
particularizado”.
Poderíamos seguir inventariando
múltiplas questões que nos indicam quem são, como vivem, de que padecem, o que
dizem as crianças de nossos dias. Estas Notas
evocam muitas e muitas outras situações e experiências a que o leitor
poderá aventar. Importa que estejamos atentos ao ineditismo de cada criança que
se apresente a nós, seja na escola, nas instituições, nos espaços públicos das
cidades, na clínica.
Podemos seguir abrindo estas questões com o dizer de Freud, insistindo neste dizer... Nos últimos anos de suas elaborações, em meio ao mal-estar da civilização,
Freud faz uma crítica à educação que podemos tanto situar na escola, quanto na
família:
O fato de ocultar dos jovens o papel
que a sexualidade desempenhará em suas vidas não é o único defeito imputável à
educação de hoje. Pois ela também peca ao não prepará-los para a agressividade
da qual estão destinados a serem objetos. Deixando que a juventude vá ao
encontro da vida com uma orientação psicológica tão falsa, a educação não se
comporta de modo diferente ao do caso de se cogitar em equipar pessoas para uma
expedição polar com trajes de verão e mapas de lagos italianos. Torna-se
evidente, nesse fato, que está fazendo mal uso das exigências éticas ( Freud,
1974, p. 158, nota 1).
BH JULHO 2016
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